15/01/2009

#70

Estou Sr. Jorge? Ora muito boa tarde. Sou eu o Anastácio. Infelizmente hoje não vou poder ir até aí, porque tenho a agenda ocupadíssima. Então não é que o seu amigo da revista gay me convidou para ir até lá para conhecer as men… os rapazes lá da redação e para falarmos sobre uma possível secção de saúde na dita revista. Estou num excitex com a ideia que mal dormi. Eu sei que o seu arame do maxilar precisa ali de um jeitinho e como eu não sou de abandonar os meus pacientes, já pedi a uma colega aqui do hospital para passar em sua casa. Ela não é bem enfermeira, mas é muito jeitosa de mãos. Está aqui como voluntária no hospital, o Jorge deve lembrar-se dela. Anda sempre de bata amarela e chama-se Sandra. De certeza que se lembra dela.
Olhe que não faço a mais pálida ideia do que aconteceu aos sapatos da Elisabete. Seja o diabo cego surdo, mudo e paraplégico se eu sei alguma coisa sobre aquela pirosada que ela usava nos cascos, essa cabra. Então até amanhã e torça por mim para a secção de saúde na revista do seu amigo. As melhoras meu lindo.

14/01/2009

#69

Tou. Tá  lá? Sr Jorge ? Tooooouuu. Ora bolas é a máquina. Ó sr Jorge é aqui o sapateiro, o Américo. É pra dizer cus sapatos já tão prontos e que vai daí que levo-os eu a casa da menina Elisabeta. O seu enfermeiro, aquele assim meio coiso, até disse que ele os levava, mas eu também tinha aqui um serviçozito ca xodona Lurdes me pediu dum fecho duma mala e como a vou entregar, entrego também os sapatinhos serrados ao meio conforme o enfermeirito tinha pedido. Eu nem sabia ca menina Elisabeta era comáquela gorducha das exposições, caté fez um candeeiro daqueles de tecto com tampões das senhoras e pôs um xaile na torre de Belém ou lá que foi. Eu não percebo nada destas artes que andam para aí, e até não vai muito ao meu gosto, mas se as pessoas gostam, acho muito bem. Inda há-de a menina Elisabeta ser famosa como a gorducha e se me calham a entrevistar a mim digoles logo "O primeiro par de sapatos pra menina Elisabeta fizeos eu. Aqui o Américo é que os serrou ao meio". Olhe até le pergunto, agora quando os for entregar, se ela quer que serre uns quantos que tenho práqui, que as freguesas deixam às meias solas e ós despois esquecem-se e eu ca loja cheia de sapatos que não servem pra nada. Bem deixa-me cá ir que não tarda muito a patroaestá à minha espera e anda cum feitio que nem sei que le faça. Saudinha então. Dê o recado ao enfermeirito faz favor. Agradecidos.

#68

Jorge Miguel já falas? É a tua mãe. Podes ao menos dignares-te a atender o telefone? Hoje de manhã o teu pai foi buscar pão e passou pelo quiosque. Não fora a Lurdinhas da farmácia a dar-lhe um comprimido para a tensão, ele tinha tido ali uma coisa má, no meio da rua. Pela tua rica saudinha, sabes explicar-me o que é que se passa com a tua vida, para lá da perna e do maxilar? Que raio de notícia é esta “Ciúmes, Sapatos e Bicha Louca animam sessão de autógrafos”? O teu pai há quinze dias que anda no bairro todo orgulhoso a passear a porcaria do livro na mão, e quando sai uma notícia no jornal sobre o assunto, é esta coisa? O pai da Elisabete quer uns sapatos de volta? O enfermeiro larilas a beijar o homem e a tua namorada a arrancar um folhado das mãos da jornalista ? Esta tua namorada nova fez-lhe uma cena de por causa de um salgadinho? Ai filho que tu pareces não ter emenda. Está bem que a Elisabete era meia descompensada, mas sempre cuidou da tua alimentação. Ainda há pouco tempo me veio oferecer um cheese cake feito por ela. Vê se telefonas ao teu pai, mesmo que seja para lhe grunhir um bocadinho. O homem está na sala agarrado ao jornal a chorar baba e ranho.  Já nem falo por mim, mas o teu pai não merece isto.

#67

Bom dia Jorge, espero que já estejas composto da tourada de ontem. Aquilo é que foi. Há dez anos que vou a desfiles do orgulho gay e nenhum chegou aos calcanhares da tua sessão de autógrafos. Que espetáculo memorável. O pai da Elisabete é muito emocional, já se vê, e muito ligado aos bens materiais. Sobretudo aos sapatos. Até eu que tenho um fetiche por botas do exército, mas não fazia aquele escândalo por causa de um par delas. Ele só não contava que o Anastácio lhe espetasse aquele beijo na boca. Se eu soubesse que dava direito a um bate chapas do enfermeiro, tinha ajudado o Pacheco no rebuliço. Grande Anastácio, aquele enfermeiro é sensibilidade e força na medida certa. Ai, que até parece que estou a anunciar um 4x4. Mas olha que de resto até correu bem, tirando o arame do maxilar se ter partido. O que é que passou pela cabeça da jornalista do CM, para te enfiar um folhadinho goela abaixo? Que estavas enervado e subnutrido e precisavas de um mimo gastronómico? A mulher deve ser é parva. Bem, vou desligar que já estou farta de falar sozinha. As meninas aqui da revista mandam-te todas beijinhos e estão doidas com o rebuliço de ontem. Agora vou telefonar ao todo o terreno, a dar-lhe os parabéns pela actuação. O telefone dele estava na porta do teu frigorífico e não resisti. Um beijo grande e as melhoras.

13/01/2009

#66

Boa tarde sr Jorge. Fala Paula Marques do Correio da Manhã. Agradeço o convite para a sessão de hoje ao fim da tarde e confirmo a minha presença. Levo fotógrafo. Sabe como é, se uma imagem vale mais que mil palavras, no seu caso, com o maxilar nesse estado, palavras não hão-de ser muitas. Desculpe a graça, mas não resisti. Esta minha mania de ser engraçada. Parabéns pelo livro. Até logo então.

12/01/2009

#65

Boa noite. Fala Pacheco outra vez. Acabei de chegar a casa e não encontro a roupa que a minha filha deixou em sua casa. Mais grave que isso, não há evidências que tenham cá chegado os sapatos dela. Sr Jorge, o seu seguro de saúde é como a minha paciência: têm limites e estão prestes a esgotar-se. Até amanhã.

#64

Jorge meu amigo, daqui é o Eduardo. Não sei se já reparaste, mas existe vida para lá do maxilar à banda e a perna engessada. O livro continua um sucesso e a tua história tem ajudado. Pena não teres sido espancado mais cedo que ainda aparecias no Natal dos hospitais. Agora a sério. Não consigo adiar mais uma sessão de autógrafos, os teus leitores exigem e a editora concorda. Vai ser amanhã em tua casa, ali no lusco fusco. 7 horas. Não tens que falar, basta estares apresentável e escreveres umas dedicatórias. Não te assustes, vão estar no máximo umas sessenta pessoas. Arranjas umas bebidas para os convidados ? Vou falar com a Maria do Carmo, que as mulheres, nestas coisas, são mais desenrascadas. Saudinha e até amanhã.

11/01/2009

#63

Jorge, fala Pacheco. Ao que parece você não fala, e mal se mexe. Seguramente porque andou a fazer das suas com alguém menos tolerante que eu. Vontade para o deixar nesse estado não me falta. Ontem a Elisabete chegou a casa num estado pouco próprio para uma rapariga da sua condição. Imagino que saiba do que se trata e não me alongo porque esta história há muito que ultrapassa todos os limites. Faça-me o favor de devolver quanto antes a roupa da minha filha. Sabe, se cá em casa fossemos escritores, talvez não déssemos valor às coisas, mas infelizmente não somos, o dinheiro custa-nos muito a ganhar e as roupas que a minha Elisabete usa não são propriamente compradas na feira. Olhe que além das roupas, ela deixou aí um par de sapatos lindíssimos que lhe ofereci neste Natal. Ou aparecem na minha casa rapidamente, ou terei eu que aparecer na sua. Se é que esse esterco pode ser chamado de casa. E não me venha com desculpas de entrevadinhos, trate de pedir a alguém que me traga a roupa amanhã. E os sapatos. Olhe que os sapatos valem mais que a sua saúde. Passe bem.

#62

Estou Jorge, fala o Samuel. Queria agradecer-te por me teres recebido ontem em tua casa. Há tempos que não via tanta animação junta. Quando vi a Elisabete só de cuecas no meio da rua, nem queria acreditar. Depois é que percebi o que se passou. Grande cabra a querer aproveitar-se de um homem indefeso. Gostei da Maria do Carmo, pareceu-me um bocadinho enervada, o que se percebe, mas nunca perdeu a compostura. Sim senhora, grande mulher. Mais histérico estava o enfermeiro, aos guinchos a chamar todos os nomes à Elisabete, mas é um doce de homem. Ainda bem que que a Maria do Carmo não foi na conversa dele de, à cautela, deixar que te engessasse a pila. Até eu fiquei enervada, que o enfermeiro enerva qualquer um. O que eu gostava de apanhar uma camada de nervos com ele. O homem com a bata desapertada até ao umbigo a exibir aqueles peitorais com depilação de três dias, que pecado. De se comer. Olha que ele é-te muito dedicado, parece talhado para a profissão. Estava capaz de pedir ao tipo que te deixou nesse estado, para me dar um encosto, só para beneficiar dos cuidados de enfermagem. Muito animado o ambiente no teu apartamento, parecia a gaiola das malucas. Olha que nome tão bom para uma crónica. Gay-ola das malucas. Deixa-me cá apontar, pode ser que te convide para voltares a escrever na nossa revisa quando esquecer o que fizeste na última. Um beijo enorme e as melhoras

10/01/2009

#61

Estou Jorge, fala a Elisabete. Eu nem sei bem o que dizer, está bem que ela tem razões de queixa de mim por causa de umas coisas que eu fiz. Também está certo que não devia ter tentado aproveitar-me da tua quase paralisia, mas olha estava com as vontades e tu estás ali muito à mercê de quem te visita.
Olha que o enfermeiro rabeta é menina para fazer a mesma coisa, de te apanhar a jeito e resolver tratar-te da algália. Esse mesmo enfermeirinho que ainda ajudou a Maria do Carmo a expulsar-me lá de casa, naqueles preparos. Por causa deles fiquei sem a roupa e sem os meus sapatos novos que o meu pai me deu no Natal. Foi difícil explicar-lhe que a roupa me desapareceu do corpo e que os sapatos seguiram o mesmo caminho. Já para não falar da história que eu tive que inventar para conseguir que a loja do fundo da rua me emprestasse uma gabardine. Quem ainda me viu quase nua no meio da rua e te ia visitar foi o Samuel, aquele que escreve ou que é director da revista gay. Nunca passei vergonha maior. Maa deixa estar que eu vou tolerando tudo isto em nome do meu amor, e a mamalhuda gorda da Maria do Carmo que não pense que isto fica assim. Deixa um homem ao abandono e depois queixa-se quando alguém resolve confortá-lo. Quem vai ao mar ...

#60

Bom dia Sr Jorge. Fala Anastácio, então como está o nosso doentinho ? Hoje é dia de visita aqui do seu enfermeiro preferido, que assim que sair do turno vai até aí prestar-lhe os cuidados que o doente mais refilão do mundo tanto necessita. O que vale é que ainda não se percebe nada do que diz, porque pela expressão que faz, se verbalizasse correctamente não ia sair nada de bonito. Seu travesso.

#59

Bom dia querido, desculpa mas hoje de manhã não consigo passar por aí. Fica lá mais para a tarde. Deixei-te sopa no frigorífico e as palhinhas estão na segunda gaveta. Até logo. Amo-te muito, mesmo lesionado e tudo.

#58

Estou amor? Ó meu querido, fala a tua Elisabete, e digo-te que ando aqui numa agonia a saber se te havia de ligar ou não. Eu sei que te fiz coisas muito feias, mas uma mulher trocada não é propriamente uma mulher bonita. Quero pedir-te desculpa a ti e espero que a Maria do Carmo não tenha ficado chateada com a história do anúncio do jornal. A bem da verdade, não ficou com toda a certeza, que uma puta sem anúncio no jornal, é como ir a Roma e não ver o Papa. Olha meu doce, vou visitar-te hoje pela tarde, ainda tenho uma cópia da chave pelo que não te incomodes que nem vou bater à porta. Um beijo grande e as melhoras, meu grande amor. Até logo.

09/01/2009

#57

Olá Jorge, boa tarde. Fala a Clara, irmã da Maria do Carmo. Sei que ainda não podes falar graças à violência gratuita, descontrolada, desumana e indesculpável do meu marido mas espero que estejas a ouvir este recado. Está aqui uma pessoa que te quer falar. Anda fala ... fala homem ... falaaaaaaa
... ... ...
Estou ? Boa tarde Sr Jorge. Sou o esposo da Clara, não sei se se alembra de mim. Deve alembrar-se, fui eu que lhe aviei aquele enxerto de porrada e queria pedir-lhe desculpa pelo sucedido. É que quando você entrou casa adentro fiquei coiso dos ciúmes, nem me alembro de mais nada. Quando voltei a mim já le tinha enfiado o candelabro nos cornos ... ó mulher fecha a matraca estou a pedir desculpa ao home... é pá eu sei que me exagerei, mas aquilo não era eu, era o ciúme a dar conta de mim. Compreende ? Quanto vai uma aposta que se fosse ao contrário quem estava aqui nas sopas e nas papas era aqui o je. Para não me ficar com raiva, e nem estou a fazer isto por causa da aparticipação na bófia, mas para ficarmos a modos que quites, já combinei com o enfermeiro horácio ou anastácio ou lá comé co homem se chama, aquele meio panascoso, meio é favor eh eh o gajo é cá um panas que até faz confusão, e ele vai passar aí todos os dias a prestar-lhe os cuidados que você precisa. Às minhas custas pois então. Quer dizer sou eu quem paga. Ah e as melhoras. Rápidas. Adeusinho e desculpe lá aquilo homem. Fiquei trsntornado. Adeus. Melhoras.
Fui bem assim mor ? Deixas-me antão voltar pra casa ? Achas que o cabrão do letrinhas ainda se vai chibar à bófia ? Já desliguei camandro ... dasse ... ah não ainda não. Agora é que já tá. Prontos.

07/01/2009

#56

Bom Dia sr Jorge. Fala o enfermeiro Anastácio e desde já lhe peço desculpa por lhe estar a telefonar. Troquei os meus turnos com aquela enfermeira gorda. A Alice. Precisava mesmo de descansar três diazinhos depois das festas, e hoje, quando regressei ao hospital, vi que lhe tinham dado alta. Fiquei para morrer, uma pessoa afeiçoa-se aos pacientes e pronto, dá nisto. Para mim não é o doente da 12 ou o politraumatizado do 18. É o sr Manuel ou o Jorginho do espancamento. Quero sobretudo desejar-lhe uma rápida recuperação e aconselhá~lo a ter alguém perto de si que lhe preste alguns cuidados. Os médicos como sabe, por vezes estão mais preocupados com as camas ocupadas, do que com o bem estar dos pacientes e dão alta por dá cá aquela palha.
Acredito que ainda esteja a sofrer horrores. O seu caso perturbou-me muito. Quase três semanas entre a vida e a morte, a beber tudo por palhinha, com o maxilar nesse estado. Também são só mais quatro e já pode começar com as papas.
Olhe que o marido da sua cunhada é um criminoso, não desista da queixa que há certas coisas que não têm perdão. A lata dele em ir visitá-lo ao hospital. Bruto. A raiva com que eu lhe fiquei.
Telefono-lhe também para lhe dizer que estou disponível para o ajudar nestes primeiros dias em casa. Com a perna assim não tem grande mobilidade, nem pode tomar banho sem ajuda. Ainda lhe preparo umas seivas óptimas, à base de cereais e soja que lhe vão dar as forças que precisa. Foi o meu ex-nam ... foi um amigo meu que tem aquelas manias todas da macrobiótica que me ensinou a fazer. Eu depois passo aí por casa para ver como está a ser tratado e para lhe dar uma ajudinha. Até mais logo.